“ 4ª parte” | Há de se ter caminhos emergindo, por Raquel Almeida. Ep.4
Caminhe e se encontre lá comigo
Tenho dificuldade de sair da lama, quanto mais me mexia, mais ela me engolia.
A escolha é sua em me dar a mão e sair daí, é só uma ação e eu consigo te tirar. Sem desespero. Escolha seu caminho.
Escolhi e voltei flutuando pra um mundo de mulheres atentas, umas olhavam com tom de
reprovação, outras com alegria, ao entrar nesse mundo, começo a enxergar o rosto de quem
me guiava e, adiante, uma anciã à espera, com todas as linhas de expressão, parecia ter mais de cem anos, estava apoiando-se num cajado, tinha a pele nem tão escura, assim como a minha, cabelos de algodão trançado. Ela sorria, cantava uma cantiga que dizia “ela voltou, a filha voltou”.
Não podia acreditar que de uma parede borrada poderia adentrar naquele lugar tão vívido que eu nem mereceria, se elas me seguraram ali é porque eu precisava viver, e comecei a
compreender que era um sonho. Me sentaram diante de um rio, e com o barro que cobria a minha pele lavaram a minha cabeça, comecei a pensar que era loucura aquela velha esfregando a minha cabeça com barro, depois, me deixaram secando, e o barro foi rachando pelo meu corpo.
O barro craquelou na minha pele, e logo eu mais velha junto com a anciã me levaram até um rio de águas cristalinas, meus olhos estavam turvos, por isso, pode ser que eu tivesse alguma alucinação, mas, enquanto me olhavam, o sol escorria fogo pelos seus raios, e a anciã cantava e me lavava com água que cheirava a vida. Não sou conhecedora de ervas, mas, se me perguntar o cheiro, é de vida!
Conforme a água me lava, escorre junto com ela cada palavra malcriada e acusação feita pela minha adolecente que não se curou, era como se os golpes das suas palavras escoassem no rio e as água levasse embora toda dor causada por cada palavra. Foi silencioso, porém o banho de restauração mais importante que já tomei. Eu mais velha se aproxima com uma veste azulada, me troca e penteia meus cabelos e finaliza uma cantiga que diz: “reviver com as fortes, as ancestrais me fizeram atravessar oceanos para me encontrar, aqui estou, minha mãe, aqui estou.”
Madalena, o que faz seu coração saltar de alegria?
A arte! A pintura, a música, o sorriso sincero, uma comida caseira…
Sabe o que te trouxe aqui? suas palavras, seu desejo, sua força! Eu me tornei assim e você precisava ver pra não desistir. Você é importante! Já pensou no quanto se ofuscou nas relações da vida? Seu erro, é acreditar em parcerias com quem nunca teve ou soube o que é ser parceiro, todas as grande decisões da sua vida, você tomou sozinha, e o que te faz acreditar que no auge dos seus 33 anos isso será diferente?
Diferente da adolescente, essa senhora ali falando, me causa choro, e eu choro sobre o olhar atento e sábio da anciã que fixamente conversa comigo pelo olhar, mas é um diálogo triplo, tudo que eu mais velha falou está em mim, é como se passasse em corrente nas três e as três professasem o que em que ser dito.
Eu não vim fazer julgamentos, respeito quem você é, e quem você se tornou, eu sou um reflexo, uma projeção do que você será, você gosta do que vê?
Eu só balanço a cabeça acenando um sim choroso.
Pois se seus pés e sua cabeça quiseram, você caminhará até mim, digo, até nós. conte seus cacos, se emende, se refaça quantas vezes for, mas saiba que esta só é uma opção, se pensar que em você mora tantas de nós, nunca mais se sentirá sozinha.
Raquel Almeida é poeta, escritora, arte — educadora e produtora cultural. fundadora do Coletivo literário Elo da Corrente, grupo que atua no bairro de Pirituba, desde 2007, no movimento de literatura periférica/negra, realizando um sarau mensal e mantendo uma biblioteca comunitária no bar onde realiza o sarau. Iniciou seu trabalho artístico em 2005 cantando no grupo de rap Alerta ao Sistema e atuou na rádio comunitária urbanos FM 2006/2007. Ministra oficinas de literatura e criação poética em escolas, centros culturais entre outros espaços.
Episódio 4
Episódio 5: 12/10
Episódio 6: 19/10
Revisão: Michel Yakini e Tatiane Ivo
