“A Velha Turca” | Os Encantados Tabajaras, por Auritha Tabajara. Ep.1

FOLHETIM | Sesc Pompeia
4 min readApr 13, 2023
Xilogravura por Lucélia Borges

Histórias do nosso povo

Círculo e vovó contando

Junto ao lençol de feijão

A família debulhando

No clarão da lamparina

E batata degustando.

*****

Foi assim que nos contou

Como tudo aconteceu

Uma velha senhora rica

Turca era o nome seu

Não sorria pra ninguém

Porque seu filho morreu.

******

Turca vivia assombrando

Na mata ao anoitecer

Ninguém podia passar.

Certo desaparecer,

O curumim Jurandi

Fez Turca surpreender

********

Curumim muito sabido

Tomou chegado à tapera,

Viu a velha cochichando,

Dizendo: corta e tempera.

Sussurro de alguém chorando,

Barulho de fogo assando,

Uma voz que se desespera.

******

O menino bem depressa

Subiu no jatobazeiro,

Lá de cima observando

Velha Turca o dia inteiro,

Sabia que tinha alguém,

Como não via ninguém,

Teve um palpite certeiro.

*****

Tirou um apito do bolso,

Começou assoviar,

Para ver se aparecia

Um Tabajara por lá

De repente uma menina

Olhou na porta que tinha,

Resolveu arrudiar.

*****

Este menino é maluco?

Vai embora curumim!

Se dona Turca te pega

O que vai sobrar de mim?

Ela é muito zangada,

E não quer ser enganada,

Comeu meu dedo mindin.

******

Você é de qual aldeia?

Qual tua ancestralidade?

Sou do povo Tabajara.

E tu, vem de qual cidade?

Lá do rio Itapajé

Vim a mando do pajé,

Vamos pra comunidade?

****

Os dois conversam baixinho,

Dona Turca esturrou

Assustando o curumim,

Que para a menina olhou,

Vamos embora depressa

O rio a gente atravessa

Mas dona Turca o amarrou.

*****

O medo ficava tenso

Por que fazê-los sofrer?

Eram só duas crianças

Tentando sobreviver,

E voltar pra sua aldeia

Antes da lua ficar cheia

Encantos do anoitecer.

****

A menina não chorava,

Mas teve medo da morte,

Bey berabe guaçú

Levanta você é forte,

Falou na língua tupi

Nós vamos sair daqui,

Estratégia junto é sorte.

****

Quando ele estava triste

Ela bem alto cantava:

Yandé ou kokirá

E o menino alegrava

Enquanto a Turca cochila

Com um chá de camomila

Ela um grafismo pintava.

****

De tanto tempo amarrado,

Ele esqueceu a memória

Seu nome não se lembrava,

Mas sabia contar história,

Um dia acordou dizendo,

O fogo está me benzendo,

Pois eu tenho escapatória.

******

No sonho um velho dizia:

Sou sua ancestralidade

Sua força é tão grande,

Com espiritualidade,

Não alimente tristeza,

Cuide da mãe natureza,

Ser sábio não tem idade.

*****

Com o canto da jandaia,

Dona Turca adormeceu,

O gavião rei da mata,

Baixou e a corda comeu,

A onça vinha passando,

Com três filhotes mamando,

Pegou os dois e correu.

*****

Deixou os dois na aldeia,

Depois de aconselhar:

Deixem Turca no seu canto,

Ela não irá mudar.

Tem ódio no coração,

Quer pegar um ancião.

Pra ele não mais voltar.

******

O curumim logo cedinho

Com sua flecha na mão

Gritou: Vem, velha maldita!

Maltratar minha criação!

Filho do pajé Juranda

E da mãe Yndicião!

*******

Começou um vento forte

Velha Turca apareceu!

O menino disse: Vem logo!

Hoje quem vence sou eu

Vim saber que ódio é esse

Que dentro de você cresceu.

*****

A velha Turca lhe disse:

Não quero te machucar

Criança na minha frente

Rapidinho faço um chá

Jurandi: Pois venha, velha!

Que eu quero te amansar.

*******

A velha jogou a capa

Jurandi se defendeu

A velha ficou zangada!

O curumim surpreendeu

A Turca disse: Menino!

Quem vai mandar aqui sou eu!

*******

Ele chamou as formigas

Para uma sopa fazer

Com ervas que curam raiva

E deu pra Turca comer

Quando ela sentiu o cheiro

Provou mas não pôde ver.

******

Jurandi deu um assovio

Veio toda a passarada

Cantar para dona Turca

Já era de madrugada

A velha caiu num sono

Pois se sentia cansada.

*******

Jurandi deu-lhe a sopa

Fez pra ela uma cabaninha

Tirou dela a capa preta

Cobriu a com ingazinha

Deixou a lua de plantão

Pra clarear a velhinha.

Foto: divulgação

Sou Auritha cordelista,
Nascida longe da praia,
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia,
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta,
Nas folhas de samambaia.

Francisca Aurilene Gomes, nasceu num pequeno interior do Ceará, em casa pelas mãos de duas sábias parteiras, avó Francisca Gomes e Antonia Portela. Primeira neta dos avós maternos e por essa razão o nome ancestral de Auritha o qual assina suas obras literárias, cresceu ouvindo as lindas histórias de tradição contadas por sua avó. Apaixonada pela rima escreve desde que aprendeu a ler e escrever. Atualmente mora em São Paulo, é escritora cordelista, Terapeuta Holística em ervas medicinais, contadora de histórias indígenas, palestrante e oficineira. Auritha é a primeira mulher indígena a publicar livros em literatura de cordel no Brasil.

Episódio 1: A Velha Turca

Episódio 2: 20/4

Episódio 3: 27/4

Episódio 4: 4/4

Episódio 5: 11/4

Episódio 6: 18/4

Revisão: Tatiane Ivo

--

--

FOLHETIM | Sesc Pompeia

Experimento literário do Sesc Pompeia convida escritores a criarem narrativas inéditas