“A Velha Turca” | Os Encantados Tabajaras, por Auritha Tabajara. Ep.1
Histórias do nosso povo
Círculo e vovó contando
Junto ao lençol de feijão
A família debulhando
No clarão da lamparina
E batata degustando.
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Foi assim que nos contou
Como tudo aconteceu
Uma velha senhora rica
Turca era o nome seu
Não sorria pra ninguém
Porque seu filho morreu.
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Turca vivia assombrando
Na mata ao anoitecer
Ninguém podia passar.
Certo desaparecer,
O curumim Jurandi
Fez Turca surpreender
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Curumim muito sabido
Tomou chegado à tapera,
Viu a velha cochichando,
Dizendo: corta e tempera.
Sussurro de alguém chorando,
Barulho de fogo assando,
Uma voz que se desespera.
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O menino bem depressa
Subiu no jatobazeiro,
Lá de cima observando
Velha Turca o dia inteiro,
Sabia que tinha alguém,
Como não via ninguém,
Teve um palpite certeiro.
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Tirou um apito do bolso,
Começou assoviar,
Para ver se aparecia
Um Tabajara por lá
De repente uma menina
Olhou na porta que tinha,
Resolveu arrudiar.
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Este menino é maluco?
Vai embora curumim!
Se dona Turca te pega
O que vai sobrar de mim?
Ela é muito zangada,
E não quer ser enganada,
Comeu meu dedo mindin.
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Você é de qual aldeia?
Qual tua ancestralidade?
Sou do povo Tabajara.
E tu, vem de qual cidade?
Lá do rio Itapajé
Vim a mando do pajé,
Vamos pra comunidade?
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Os dois conversam baixinho,
Dona Turca esturrou
Assustando o curumim,
Que para a menina olhou,
Vamos embora depressa
O rio a gente atravessa
Mas dona Turca o amarrou.
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O medo ficava tenso
Por que fazê-los sofrer?
Eram só duas crianças
Tentando sobreviver,
E voltar pra sua aldeia
Antes da lua ficar cheia
Encantos do anoitecer.
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A menina não chorava,
Mas teve medo da morte,
Bey berabe guaçú
Levanta você é forte,
Falou na língua tupi
Nós vamos sair daqui,
Estratégia junto é sorte.
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Quando ele estava triste
Ela bem alto cantava:
Yandé ou kokirá
E o menino alegrava
Enquanto a Turca cochila
Com um chá de camomila
Ela um grafismo pintava.
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De tanto tempo amarrado,
Ele esqueceu a memória
Seu nome não se lembrava,
Mas sabia contar história,
Um dia acordou dizendo,
O fogo está me benzendo,
Pois eu tenho escapatória.
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No sonho um velho dizia:
Sou sua ancestralidade
Sua força é tão grande,
Com espiritualidade,
Não alimente tristeza,
Cuide da mãe natureza,
Ser sábio não tem idade.
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Com o canto da jandaia,
Dona Turca adormeceu,
O gavião rei da mata,
Baixou e a corda comeu,
A onça vinha passando,
Com três filhotes mamando,
Pegou os dois e correu.
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Deixou os dois na aldeia,
Depois de aconselhar:
Deixem Turca no seu canto,
Ela não irá mudar.
Tem ódio no coração,
Quer pegar um ancião.
Pra ele não mais voltar.
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O curumim logo cedinho
Com sua flecha na mão
Gritou: Vem, velha maldita!
Maltratar minha criação!
Filho do pajé Juranda
E da mãe Yndicião!
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Começou um vento forte
Velha Turca apareceu!
O menino disse: Vem logo!
Hoje quem vence sou eu
Vim saber que ódio é esse
Que dentro de você cresceu.
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A velha Turca lhe disse:
Não quero te machucar
Criança na minha frente
Rapidinho faço um chá
Jurandi: Pois venha, velha!
Que eu quero te amansar.
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A velha jogou a capa
Jurandi se defendeu
A velha ficou zangada!
O curumim surpreendeu
A Turca disse: Menino!
Quem vai mandar aqui sou eu!
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Ele chamou as formigas
Para uma sopa fazer
Com ervas que curam raiva
E deu pra Turca comer
Quando ela sentiu o cheiro
Provou mas não pôde ver.
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Jurandi deu um assovio
Veio toda a passarada
Cantar para dona Turca
Já era de madrugada
A velha caiu num sono
Pois se sentia cansada.
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Jurandi deu-lhe a sopa
Fez pra ela uma cabaninha
Tirou dela a capa preta
Cobriu a com ingazinha
Deixou a lua de plantão
Pra clarear a velhinha.
Sou Auritha cordelista,
Nascida longe da praia,
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia,
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta,
Nas folhas de samambaia.Francisca Aurilene Gomes, nasceu num pequeno interior do Ceará, em casa pelas mãos de duas sábias parteiras, avó Francisca Gomes e Antonia Portela. Primeira neta dos avós maternos e por essa razão o nome ancestral de Auritha o qual assina suas obras literárias, cresceu ouvindo as lindas histórias de tradição contadas por sua avó. Apaixonada pela rima escreve desde que aprendeu a ler e escrever. Atualmente mora em São Paulo, é escritora cordelista, Terapeuta Holística em ervas medicinais, contadora de histórias indígenas, palestrante e oficineira. Auritha é a primeira mulher indígena a publicar livros em literatura de cordel no Brasil.
Episódio 1: A Velha Turca
Episódio 2: 20/4
Episódio 3: 27/4
Episódio 4: 4/4
Episódio 5: 11/4
Episódio 6: 18/4
Revisão: Tatiane Ivo