“O tratamento de dona Turca com o mocororó?” | Os Encantados Tabajaras, por Auritha Tabajara. Ep.4
Era noite de toré
Pra o mocororó fazer,
A garrafa de cem anos
Tomar e abastecer,
A bisavó estar viva,
Essa tradição ativa
Até bisavó morrer.
*******
O pajé explica aos dois,
Que é preciso respeitar,
A mata, os animais,
A noite não pode entrar,
Dona Turca já sabia,
Na região que convivia,
Queria o rapaz pegar.
*****
Bebam do mocororó
Para as feridas sarar,
Fiquem na pedra sagrada,
Que eu vou de vocês cuidar,
Não joguem lixo no chão,
Escutem o ancião,
Para outra história contar.
*****
Depois das dezoito horas
A pedra vai se fechar,
E antes do sol nascer,
Ela abre sem chiar,
Não diga que é magia
Porque senão ela esfria
E alguém pode te flechar.
******
Os dois entraram na pedra
O rapaz triste chorando,
Pedindo pra não morrer,
Dona Turca quieta olhando,
A festa vai começar,
Ouviram alguém gritar,
E um fogo forte estralando.
******
Em altas horas da noite,
Forte pisada ecoou
Ao redor da pedra grande
A aldeia balanceou,
Na batida do maracá
Tinha até um tamanduá,
Que um Tabajara flechou.
*****
A pedra tem um segredo,
Somente quem acredita,
É encantada por dentro,
Por fora muito bonita,
No formato de um cocar
Ao redor de um maracá.
Na cor de aragonita.
******
Pois não é que de manhã
A pedra ficou fechada,
O ancião mais idoso
Fez o rezo da flechada,
A pedra não se abriu
Será que os dois sumiu
Dentro da pedra encantada?
******
A história se espalhou
Todos queriam checar,
Uns diziam: é mentira
Outros: não, pois eu fui lá,
E a pedra misteriosa
Vai ficando bem famosa
Pras bandas do Ceará.
*****
Anos depois desse caso,
Um ancião faleceu
Bem perto da pedra grande
Enterraram o corpo seu,
Foi na época do verão,
Um lindo pé de algodão
Naquela cova nasceu.
******
Os mistérios do meu povo
Ninguém pode desvendar,
Minha avó conta as histórias
Eu ouço para contar,
E aquele pé de algodão?
Hoje em toda região
Se tem roupas do tear.
******
Nas festas que acontecem
Quem tem sensibilidade
Vê o moço passeando
Ali na comunidade,
E dona Turca o que diz?
Saiu pelo uma raiz
E assombra até na cidade.
*****
Dona Turca não se banha,
Vive suja de tristeza,
Um dia lá na lagoa,
O peixe com gentileza,
Disse: venha se encantar
Na água que vem do mar
Se espalhar na correnteza.
*****
A história dessa lagoa
É rica de encantamento,
Tem a faixa imaginária,
Escrita o acontecimento,
De quem já ultrapassou,
O peixe logo levou,
Pra falar de ensinamento.
*****
Ninguém ultrapassa a faixa
Da criança ao ancião,
Uma vez ultrapassaram
A água virou um chão,
Secou tudo num instante,
Por isso é importante
Ouvi-los com atenção.
*****
O peixe é grande e bonito,
Só costuma aparecer
Quando a aldeia tá em perigo,
Ou alguém vai falecer,
Ele aparece e canta
Cada vez nasce uma planta,
Que é para não esquecer.
*****
Ele se chama aponã
Aquele que vê além,
Protetor das águas doces,
E da floresta também,
E nos dá inspiração,
Pra futura geração,
Saber o que lhe convém.
******
Os mistérios da aldeia
São para nos proteger
Tem o canto da nambu
Nos diz quando vai chover
O grito do bacurau,
Que aparece no girau
Antes do amanhecer.
*****
Tabajara e natureza
Nunca serão separados,
O grito da meia-noite
Nos deixa sempre alertado,
Quem matou meus ancestrais
Anda sofrendo de mais,
Por não ter nos respeitado.
Sou Auritha cordelista,
Nascida longe da praia,
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia,
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta,
Nas folhas de samambaia.Francisca Aurilene Gomes, nasceu num pequeno interior do Ceará, em casa pelas mãos de duas sábias parteiras, avó Francisca Gomes e Antonia Portela. Primeira neta dos avós maternos e por essa razão o nome ancestral de Auritha o qual assina suas obras literárias, cresceu ouvindo as lindas histórias de tradição contadas por sua avó. Apaixonada pela rima escreve desde que aprendeu a ler e escrever. Atualmente mora em São Paulo, é escritora cordelista, Terapeuta Holística em ervas medicinais, contadora de histórias indígenas, palestrante e oficineira. Auritha é a primeira mulher indígena a publicar livros em literatura de cordel no Brasil.
Episódio 1: A Velha Turca
Episódio 2: Dona Turca na aldeia
Episódio 3: O sagrado pé de caju e o tratamento de dona Turca com o mocororó
Episódio 4: O tratamento de dona Turca com o mocororó?
Episódio 5: 11/4
Episódio 6: 18/4
Revisão: Tatiane Ivo