“Se ler esses episódios […]” | Os Encantados Tabajaras, por Auritha Tabajara. Ep.5
Se ler esses episódios
Do jeito que foi contado,
Vê logo que os Tabajara
Nunca serão do passado
Que a nossa ancestralidade
E a nossa diversidade
Sempre serão repassado.
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Essa aconteceu comigo,
Quando eu era adolescente,
Estudava em outra cidade,
Crescer educadamente,
Um carro aberto atrás
Que funcionava a gás
Era o que levava a gente.
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Não tinha banco no carro,
E nenhuma cobertura,
Caderno e lápis na mão
Uma blusa na cintura,
Mochila nem conhecia
Todo dia agradecia,
A volta era uma aventura.
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Levava um tamborete
Pois lá não tinha cadeira
Era uma felicidade
Quando subia a ladeira
E podia avistar
A frase: venha estudar!
Coberto assim de poeira.
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A escola era uma casa
De barro todo perfeito,
Morava o professor
O pai dele era o prefeito,
A mãe também professora
A irmã vereadora
Mas que tinham preconceito.
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Eu era a única indígena
Numa escola regular,
Apelido de feiosa
Ninguém queria brincar,
Era a mais inteligente,
Talvez a mais transparente,
Que tudo queria rimar.
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E não podia dizer
Que na aldeia morava,
Nem falar a nossa língua
Logo era ignorada
Será que ninguém entende?
Nossa língua não ofende.
Ou eu sou mal-educada?
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Queria escrever na língua
Mas ninguém soube ensinar
Foi então que a poesia
Veio a me iluminar,
Minha mente transformando,
Quando estou declamando,
Sinto o coração pulsar.
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Um dia vindo da escola
A onça estava na estrada,
Todo mundo sentiu medo
Da onça atravessada,
Eu disse para ela assim:
Não sinta medo de mim,
Eu te vi lá na entrada.
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Nunca fez mal a ninguém
Ela é nossa protetora,
Só não vá mexer com ela,
Como fez a diretora,
Passou sem pedir licença
A onça sem paciência
Comeu ela e a inspetora.
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Tive uma infância livre
Onde vivia a brincar
Com a onça, gato do mato,
No rio podia nadar,
Comer fruta bem fresquinha,
Tirar leite da vaquinha,
E bem quentinho tomar.
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Andava de bicicleta
Corria com pés na areia
Dormia às 18 horas
Em redes lá na aldeia,
Antes ouvia histórias
Que compõem minhas memórias
Nas noites de lua cheia.
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Acordava bem cedinho
Para vovó ajudar
Tirar água da cacimba
Depois a roupa lavar
No riacho da pedreira
Onde ouvia as guerreiras
Que não queriam casar.
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Tomava café quentinho
Com cuscuz ou macaxeira,
Batata doce e inhame,
Pamonha da verdadeira,
Ovo cozido era a senha,
Pro peixe assado na lenha,
E um banho de cachoeira.
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Não achava que era ruim
Ajudar na plantação
Porque sei que a mãe terra
Não gosta de lixo não,
E produz nosso sustento,
Além de bom alimento
Faz a nossa proteção.
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Quando eu aprendi a ler
Queria tudo rimar
Os chás das ervas caseiras
Para escrito ficar
Que as plantas medicinais
Vêm dos nossos ancestrais
Não podem nunca acabar.
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Minha avó não sabe ler
Mas escreve com urucum,
Grafismo fixo na pedra,
E na rede de tucum
Fuma o seu petinguá
Canta com seu maracá
Comendo araticum.
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E na minha adolescência?
Não queria namorar
Pois ouvia minha mãe
Com outra mãe conversar
Que ela não era feliz
Tinha forte cicatriz
E começava a chorar.
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Mas me contava histórias
Lindas quando ia deitar
Do fogo que é nosso avó,
Hoje tem que digitar,
Em vez da oralidade
Fora da comunidade
Para o povo acreditar.
Sou Auritha cordelista,
Nascida longe da praia,
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia,
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta,
Nas folhas de samambaia.Francisca Aurilene Gomes, nasceu num pequeno interior do Ceará, em casa pelas mãos de duas sábias parteiras, avó Francisca Gomes e Antonia Portela. Primeira neta dos avós maternos e por essa razão o nome ancestral de Auritha o qual assina suas obras literárias, cresceu ouvindo as lindas histórias de tradição contadas por sua avó. Apaixonada pela rima escreve desde que aprendeu a ler e escrever. Atualmente mora em São Paulo, é escritora cordelista, Terapeuta Holística em ervas medicinais, contadora de histórias indígenas, palestrante e oficineira. Auritha é a primeira mulher indígena a publicar livros em literatura de cordel no Brasil.
Episódio 1: A Velha Turca
Episódio 2: Dona Turca na aldeia
Episódio 3: O sagrado pé de caju e o tratamento de dona Turca com o mocororó
Episódio 4: O tratamento de dona Turca com o mocororó?
Episódio 5: Se ler esses episódios […]
Episódio 6: 18/4
Revisão: Tatiane Ivo