“Sonhos são fenômenos extraordinários!”, por Natalia Borges Polesso, Ep.5
— Uma outra prática é criar uma lista de verificações da realidade. Isso é um bom gatilho. Há coisas específicas nos sonhos que a gente não consegue fazer, coisas simples e isso varia de pessoa pra pessoa; Mas há muitas similaridades: por exemplo, é difícil que a gente consiga ler, escrever, ver as horas, acender as luzes, e, mais recentemente, descobriram que não é possível ver imagens digitais nitidamente. Vamos fazer um exercício.
Todos murmuram.
— Suponho que todos vocês tenham um celular ou um relógio. É lógico que vocês sabem que não estão sonhando — e ela fez uma pausa — ou não sabem? Brincadeira. Não estamos sonhando. Eu sei! Nos meus sonhos, eu ando. Aliás, eu sou uma grande corredora nos meus sonhos.
E no telão apareceu uma fotografia dela mesma, em que parecia estar em uma corrida, daquelas que a pessoa tem que usar um número na camiseta.
— É evidente que essa foto é antiga, e como vocês podem ver minha pele tem muito mais viço.
A mulher ao meu lado riu e me olhou.
— Ela é tão engraçada, não acha?
Fiz que sim com a cabeça e sorri.
— Bom, olhem o relógio de vocês ou o celular. Agora olhem para a minha fotografia. Agora olhem para o celular ou o relógio novamente. A hora mudou?
— Não — um coro perfeito.
— E a imagem do telão?
— Não.
— Exatamente. Se isso fosse um sonho, é muito provável que essas imagens já tivessem se desfeito. Não conseguimos capturar imagens estáticas no sonho. A fluidez é uma característica sua, e não podemos nos apegar muito às imagens, às informações. É preciso contar com outros caminhos. Então, se nós nos acostumarmos a fazer essas verificações, essa ação vai começar a fazer parte dos nosso repertório de ações e vai aparecer nos nossos sonhos. E é a resposta que vem delas que vai nos dizer se estamos sonhando ou não. Tudo bem até aqui?
— Sim — respondemos em coro.
— Bom, então vamos entrar na ciência agora.
A mesma guria do microfone na plateia saiu da coxia e entregou um jaleco para Verônica, a palestrante se chamava Verônica.
— SLIM. Sonhos lúcidos induzidos mnemonicamente. Tá, em inglês é MILD.
Surgiram no telão as palavras Mnemonically Induced Lucid Dreams.
— Quando vocês estiverem caindo no sono, tentem lembrar de um sonho recente e tentem se imaginar lúcidos naquele sonho. A intenção é reforçar a percepção de que você está sonhando no seu sonho, o que parece contraditório, mas não é. Vocês podem até ficar repetindo mentalmente.
E a as palavras do telão mudaram e ficaram piscando.
Eu vou ter um sonho lúcido.
Eu vou ter um sonho lúcido.
Eu vou ter um sonho lúcido.
Todos rimos.
— Se vocês dormirem e acordarem, se dando conta de que não deu certo, tentem de novo. Na mesma noite. Fiquem com essa intenção em mente. Mas se dediquem a essa tarefa por um tempo. E só então entrem na próxima prática
Todos murmuraram.
Natalia Borges Polesso é pesquisadora, escritora e tradutora. Publicou Recortes para álbum de fotografia sem gente (2013), Amora (2015), vencedor do Prêmio Jabuti, Controle (2019), seu primeiro romance, vencedor dos prêmios Ages e Vivita Cartier e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, Corpos Secos (2020) e A extinção das abelhas (2021) . Em 2017, a autora foi selecionada para a lista Bogotá39, que reúne os 39 escritores abaixo de 40 anos, mais destacados da América Latina. Natalia tem seu trabalho traduzido em diversos países, tais como Argentina, Espanha e Estados Unidos.
1º episódio: Episódio 1
2º episódio: Episódio 2
3º episódio: Episódio 3
4º episódio: Episódio 4
6º episódio: Episódio 6
Revisão: Agnes Sofia Guimarães