"Um Raio de Sol, Plantando Riso no Peito" | ÁDUFÈ o Gosto da Vida, por Akins Kintê. Ep. 1

FOLHETIM | Sesc Pompeia
4 min readNov 17, 2022
Ilustração: Marcos Santos Ferraz

Antes de nada mais, canto pra Odé, depois banho as plantas, bebo um copo d’água, dia de jejum, o sol me desperta nas manhãs, do sétimo andar assisto à frenética cidade. Tô bem, da hora comigo mesmo, há alguns dias vem me visitando um riso, coisa rara, mais raro ainda é o olhar não desandado, o passo leve do meu corpo sem estar armado, tô aí desapegando das angústias, desci as escadas da Cohab assim:

A benção minha tia, salve mulekote vai pro jogo? Cunhada, o teu cara é meu irmão, tá bom, não é, mas é como se fosse, ceis dois é um casalzão da porra véi, fica da hora.

Já me lembrei da Maisha e tua pele cheirando flor de cajueiro “mulher danada, do riso maroto, faz comigo aquilo que não faz com o zoto” ela achou graça, ganhei um ponto, foi assim o primeiro encontro, ainda guardo o beijo, a camisa marcada com o beijo e um pedaço do aroma do perfume.

É um dia comum de quebrada, umas tretinhas desde cedo, tô pegando o foco, passa quase relando uma pá de insatisfação, o sol se agiganta e reflete na minha retina espantando momentos de aflição, o plano é conversar sem atropelar o caminho, apaziguar debate sem impor neurose, são várias encruzas na estrada.

Laroye.

É por amor, inclusive o próprio, tô gostando mais de mim, eu sei o que é viver assombrado, cabisbaixo, evitar afeto, visto o corpo de um cara, a armadura é inimiga pública revestida de ébano, Maisha, também, na sua paisagem noite mora nos olhos duas estrelas que me alumeia “preto, toma cuidado por favor? Não fica debatendo com polícia. Esses rolês seu tá muito perigoso. Não tô te expulsando, só não queria que fosse embora tarde”. Vou mas vou puto, que aventura ir namorá-la, o século é o XXI e as noites carregam a mesma tensão do século XIII, um cara como eu é considerado um perigo para a sociedade, então atenção redobrada, Maisha precisa confiar em mim, ver em mim um homem que se cuida, tem algo nela de triste, talvez uma perda, prometo ficar vivo, por honra que observo meus passos, a máquina da violência moendo os nossos, conquisto a liberdade um dia de cada vez nesse território inimigo.

Tem perseguição, brutalidade no encalço, adentro a escuridão não apenas por fuga, mas é escuro o que me guarda, essa leveza envolvendo meu corpo, vou ganhando o dia, momento bom pra conversar com a Maisha, quero explicar os panes, os vazios momentâneos, o do porquê de vez em quando eu varrer minha autoestima pra debaixo da realidade e o medo de cair no abismo me faz dar uns passos deselegantes, mas hoje tô mó bem, tranquilo e calmo sem perder a estribeira, perambulando com a estrutura física em posição de paz onde beiro, fazendo cerco pro coração.

Tem samba mais tarde, a Maisha vem, dou um raspa na barbearia do Lê “por gentileza, nego preto, um talentinho na barba, só o pezinho façavô, tô cultivando o black” ele com sua gentileza e talento deixa meu semblante mais vivo, o negrão é florista, põe brilho em nossos rostos carrancudos, um dia desse dou um abraço em agradecimento ao cuidado com os nossos.

Akins Kintê | Foto: divulgação

Akins Kintê é poetinha sem tempo, remetido ao passado, presente e futuro, “nascido no berço do skindô e criado nos terreiros do ziriguiduns” tem como escola os campos de várzea, e o corpo batuca sob a luz da lua, delicia os lábios na menina que traz na pele a mesma cor da noite. Teu escritório é nas esquinas da vida de onde silencia tuas mãos e o coração dedilha sempre um verso seja lá qual for adversidade da vida.

Outros episódios:

Episódio 2: Samba do Cavaco sem Sol na Noite Iluminada | 24/11

Episódio 3: No silêncio da Cohab Afeto, Canto pelos Olhos | 1/12

Episódio 4: No Sabor da Fruta, Ferida Aberta pro Plantio | 8/12

Episódio 5: Nas Entrelinhas do Reino. Vida Pulsando | 15/12

Episódio 6: Sintonia a Festa, Segunda e suas Encruzas | 22/12

Revisão: Tatiane Ivo

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

Experimento literário do Sesc Pompeia convida escritores a criarem narrativas inéditas