“Ninguém sabe o que existe de fato no fundo do mar” | Peixe fora d’água com banzo, por Elizandra Souza, Ep. 5

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readFeb 24, 2021

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Ilustração: Carol Itzá

Dentro do ônibus, em direção a Salvador, Rosa com muitas reflexões sobre sua existência começou a escrever para si:

“Essa viagem é sozinha. É para um lugar onde eu não conheço. Não reservei hotel. Não comprei passagem. Preciso ir com pouca bagagem, aprendi que levar pouca coisa é essencial para aproveitar bem a viagem e poder trazer algo.

Para mim ainda é difícil viajar sozinha, na verdade eu tenho receio de me perder no destino. Entrar em uma porta e não encontrar mais uma saída.

Hoje estou querendo ir para a praia, qualquer praia sem ondas ou que elas sejam tão paradas que não sejam perceptíveis. Me permitir boiar por um bom tempo, observando o céu, o som, o cheiro.

Quem me ouve falar assim até pensa que eu consigo essa paz de espírito dentro do mar a ponto de achar que estou deitada em uma rede, só no vai e vem. A verdade é que tenho pavor de me afogar, de procurar com os pés o chão do mar e afundar.

O cheiro do mar, o vento das matas, parecem tão distante nesta viagem de risco, risco de boas descobertas.

O mar é espiral, me reconecta com um banzo. Quem ouve ou lê eu falar do mar pensa “ela deve ser íntima” (mar adentro). Aprendi a nadar há pouco tempo e mesmo assim não é o suficiente para me sentir segura. O mar é minha maior incerteza e onde mora meus maiores medos. Uma vez também mergulhei e dentro do mar havia uma sociedade inteira no fundo. Meu coração disparou, foi bem difícil não me emocionar com tantas águas.

É mar adentro, dentro do mar seria eu um peixe fora d’água com banzo, com lembranças da antiga morada? Seria eu uma sereia expatriada? Ou seria eu um cavalo-marinho levado pelas ondas e apanhado por alguma criança curiosa?

Elizandra Souza, por Fernando Solidade

Ninguém sabe o que existe de fato no fundo do mar é o quinto episódio da série “Peixe fora d’água com banzo”, da escritora Elizandra Souza. A autora é ativista cultural há 18 anos com ênfase na difusão do jornalismo cultural da Periferia e da Literatura Negra Feminina. É integrante fundadora do Sarau das Pretas desde 2016, autora dos livros de poesias Águas da Cabaça (2012) e Punga, em co-autoria Akins Kintê (2007). Além disso, foi editora do Coletivo Mjiba dos livros Águas da Cabaça (2012), Pretextos de Mulheres Negras (2013) e Terra Fértil (2014). Também atuou como editora e jornalista responsável na Agenda Cultural da Periferia na Ação Educativa (2007- 2017), participou do Festival Internacional de Poesia em Havana (Cuba), 2016, e do Congresso LASA / Nuestra América: Justice and Inclusion, em Boston (EUA), 2019.

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