“Sonhos são fenômenos extraordinários!”, por Natalia Borges Polesso, Ep.3

FOLHETIM | Sesc Pompeia
4 min readSep 15, 2021
Ilustração: Aline Zouvi

Um grande ó correu a plateia. E ela trocou o slide, de modo que as duas imagens ficaram lado a lado.
— Tão entendendo? Isso foi o começo desses estudos. Mais adiante, começou-se a usar imagens mais complexas e os sujeitos foram monitorados durante seu sono. Agora imagina que confortável, já que o sujeito precisava dormir dentro da máquina de ressonância. Já imaginaram? Eu não vou entrar em detalhes aqui de como eles conseguiam isso, mas sim, era com privação de sentidos e meditação, assuntos para outro momento. Bem, os pesquisadores precisavam acordar as pobres criaturas nessa parte do estudo, vamos chamá-las de pobres criaturas, e perguntavam: o que é que tu tava sonhando? Eu espero que tenham sido bem pagos, ao menos. Bom, daí, a partir do que eles contavam, a pesquisa usou milhares de imagens da internet para construir um banco de dados que se aproximasse do que o sujeito ou a pobre criatura estava vendo, baseado nas imagens do seu cérebro captadas durante a ressonância. Cada pobre criatura precisava passar por isso mais ou menos duzentas vezes. Eu acho que eu teria me traumatizado pra sempre. Eu dou muito valor ao meu sono e aos meus sonhos pra vendê-los assim tão barato. Brincadeira. Não fossem esses e essas bravas heroínas, meu trabalho não existiria. Mas , depois de fazer isso 200 vezes e alimentar toda essa informação num software algorítmico de aprendizagem, ele foi usado para prever e interpretar o quê? Isso mesmo. Os sonhos que a pessoa viria a sonhar!

Mais um ó correu a plateia. E reparei que a minha boca estava semi-aberta, mesmo sem ter ajudado o coro.
— Obviamente não saiu tudo perfeito, mas ficou provado que o software era capaz de prever imagens que combinavam com as descrições dos nossos sonhadores e sonhadoras. Mas não é só isso. Um dos estudos mais recentes usou imagens de vídeo. Imagens reais, de verdade, em vídeo. Fazendo com que os sujeitos do estudo assistissem a duas horas de imagens de vídeo, enquanto analisavam sua atividade cerebral, pesquisadores, então, usaram uma imagoteca de cerca de 20 milhões de vídeos de um segundo para combinar com a atividade cerebral. Os resultados são os seguintes.

A tela se acendeu com pares de imagens, uma sob o título de “vídeo” e a outra sob o título de “vídeo reconstruído por meio da atividade cerebral”. Era fascinante. As imagens estavam em câmera lenta, o que nos permitia prolongar a duração daquele segundo de assombro ao compararmos a proximidade que tinham. Obviamente, a imagem reconstruída não era nítida, mas as formas estavam nas mesmas posições do frame. Parecia, também, que havia um efeito de negativo em suas reconstruções, mas tudo era extremamente convincente. As imagens da série não tinham conexão uma com a outra, e me chamou atenção a seguinte sequência: um cachorro pastor latindo em duas patas, como se estivesse em pé e a reconstrução dava mesmo a ideia de que fosse um animal e não uma forma humana(mas podia ser uma sugestão minha e, talvez, precisamente por isso, funcionasse); um anúncio de ofertas apenas com escritos e a reconstrução da imagem com as cores em negativo ilegível, mas com todas as formas que representavam as letras separadas e no número correto; uma pintura animada de um quadro, que mais tarde eu descobri ser de Bosch, e a reconstrução parecendo uma releitura impressionista; um mamute e a reconstrução dessa imagem, com o contorno exato do mamute.

Natalia Borges Poless (acervo pessoal)

Natalia Borges Polesso é pesquisadora, escritora e tradutora. Publicou Recortes para álbum de fotografia sem gente (2013), Amora (2015), vencedor do Prêmio Jabuti, Controle (2019), seu primeiro romance, vencedor dos prêmios Ages e Vivita Cartier e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, Corpos Secos (2020) e A extinção das abelhas (2021) . Em 2017, a autora foi selecionada para a lista Bogotá39, que reúne os 39 escritores abaixo de 40 anos, mais destacados da América Latina. Natalia tem seu trabalho traduzido em diversos países, tais como Argentina, Espanha e Estados Unidos.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

4º episódio: Episódio 4

5º episódio: Episódio 5

6º episódio: Episódio 6

Revisão: Agnes Sofia Guimarães

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

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