“Sonhos são fenômenos extraordinários!”, por Natalia Borges Polesso, Ep.4

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readSep 22, 2021

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Ilustração: Aline Zouvi

— Quanto mais desenvolvidos esses softwares se tornarem, mais complexas se tornarão as imagens, e estaremos cada vez mais perto de visualizar, e eu diria mesmo de gravar, nossos sonhos e nossos pensamentos.

Ela apagou o telão e a imagem que surgiu quando a tela se ligou novamente era a de um condor voando de cima uma montanha. A imagem estava em loop, de modo que víamos e revíamos o condor se precipitar das pedras, suas patas impulsionando e as asas se abrindo. Mas tinha algo meio estranho, como se a imagem não estivesse completamente carregada e aí eu entendi.
— Essa é uma das últimas imagens que conseguimos gravar de um sonho. Incrível, né? E agora eu pergunto pra vocês como é que a gente pode ter o controle dessas imagens no nosso cérebro, na nossa mente, com as nossas ondas? Os sonhos nos dão o mundo! E nos dão um mundo, um lugar, uma paisagem pra fugir dessa realidade. Não só o sonho, a imaginação, o símbolo. Mas quando a gente escapa da realidade e vai pro mundo dos sonhos, nós temos pouco ou nenhum controle do que acontece. E se a gente pudesse construir ou induzir essas imagens e controlar nossos sonhos?

O rumor.
Daquilo, eu entendia. Só não sabia que era possível induzir, assim, como prática. Se eu soubesse me induziria a não ter sonhos lúcidos. Me induziria a passar noites e noites tranquilas, dormindo sem sonhar.
— Sonhos lúcidos. Se vocês estão aqui na minha palestra, vocês sabem do que eu tô falando ou até já tiveram essa experiência. E com um pouco de prática e algum esforço matemático e físico, digamos, todos nós podemos aprender.
— Eu nem sonho.
Olhei para a mulher ao meu lado. Até então, não havia notado ninguém especificamente. A mulher tinha uma cara de cansada.
— Todo mundo sonha! As pessoas sonham umas quatro vezes durante o mesmo sono.
— Não eu. Se eu sonhasse — e gemeu para si um cansaço — ao menos viveria algo menos horroroso.
Eu sorri sem jeito, com a boca torta meio pra baixo, e voltei a prestar atenção.
— O problema é que a gente esquece o que sonha, esquece os elementos que compõem o nosso sonho e muitas vezes não temos ferramentas narrativas, ou mesmo imagéticas, como o software, pra decodificá-los. E pra recodificá-los.
A fisionomia da mulher ao meu lado mudou.
— Bom, mas vamos falar da prática. A primeira estratégia pra gente conseguir dominar melhor nossos sonhos é ter um caderno de sonhos.
A imagem do telão mostrava pilhas de cadernetas.
— Estas são as minhas, mas eu sou exagerada. A questão é que, mantendo este diário, a gente vai melhorando o nosso banco de imagens e vai melhorando a nossa habilidade de lembrar os sonhos e de compreender seus mecanismos. Então, tente sempre, ao acordar, reservar um tempo pra anotar os sonhos, encare isso como um momento meditativo, uma espécie de tomada de consciência de uma parte inconsciente da vida. Não precisa ser escritor ou escritora, porque não é preciso narrar tudo exatamente como aconteceu. Isso nem é possível, os sonhos são sempre uma reconstrução. Deixem as palavras fluírem, melhora com o tempo. Lembram as imagens?
Rimos.

Natalia Borges Poless (acervo pessoal)

Natalia Borges Polesso é pesquisadora, escritora e tradutora. Publicou Recortes para álbum de fotografia sem gente (2013), Amora (2015), vencedor do Prêmio Jabuti, Controle (2019), seu primeiro romance, vencedor dos prêmios Ages e Vivita Cartier e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, Corpos Secos (2020) e A extinção das abelhas (2021) . Em 2017, a autora foi selecionada para a lista Bogotá39, que reúne os 39 escritores abaixo de 40 anos, mais destacados da América Latina. Natalia tem seu trabalho traduzido em diversos países, tais como Argentina, Espanha e Estados Unidos.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

3º episódio: Episódio 3

5º episódio: Episódio 5

6º episódio: Episódio 6

Revisão: Agnes Sofia Guimarães

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