“Sonhos são fenômenos extraordinários!”, por Natalia Borges Polesso, Ep.6

FOLHETIM | Sesc Pompeia
4 min readOct 5, 2021
Ilustração: Aline Zouvi

— SLID. Sim, ficou ruim. Sonhos lúcidos induzidos despertos. A sigla em inglês é WILD. MILD e WILD. Daí só vira uma letra. Legal, né?

E as seguintes palavras apareceram no telão: Wake Induced Lucid Dreams.
— Essa prática é mais difícil e pode ser bem cansativa. É aqui que entra a meditação ou o mindfulness, já que estamos nos entregando para o inglês. A ideia por trás dessa prática é manter a mente consciente e atenta enquanto o seu corpo dorme.
Rumor de espanto.

— Exatamente. Eu fiquei bem assim, incrédula, mas pra quem achava que tinha perdido completamente os movimentos do corpo, isso foi moleza. Mas eu não estou aqui pra contar a minha história de superação; pra isso existe outra palestra e vocês podem comprar, vale a pena. Aqui eu vim falar de ciência.
Risos.

— A pior coisa dessa técnica, e por isso eu digo pra usar com parcimônia, é que vocês podem experimentar uma paralisia do sono, que é pior do que a paralisia da vida acordada.
Risos e espanto.

— Mas isso é um fenômeno normal e esperado até, é isso que faz com que vocês não se mexam à noite, só que vocês vão estar meio lúcidos, acordados, o que pode ser um pouco assustador a princípio. Até porque o nosso cérebro é um grande piadista, e nessas horas, ele ajuda a criar imagens de pavor e até alucinações bem reais. Todo o nosso repertório de medos fica completamente disponível, e ficamos vulneráveis. É comum as pessoas sentirem, e até enxergaram, criaturas sentadas sobre o próprio peito. E isso porque nossa respiração fica diferente quando dormimos. Mas eu tenho um truque. Você pode ter um animal de estimação onírico. O meu é uma gata. Eu sei, é muito cliché. Eu poderia ter uma jaguatirica, um elefante pigmeu ou um ornitorrinco. O caso é que ter um animal onírico te ajuda. Mas bem, eu disse que ia falar de ciência.

A assistente entra com óculos agora.
— Pesquisadores dos sonhos conseguiram mapear a localização da nossa metaconsciência no cérebro e com isso conseguiram avançar em terapias do sono, dos sonhos, terapias antipesadelos e mesmo contra terrores noturnos. E ainda que vocês não consigam estar lúcidos nos sonhos de vocês, talvez vocês possam mesmo escolher o que sonhar, já pensaram nisso? Sonhoflix! Ângela! — a assistente aparece de trás da coxia — vamos patentear esse nome! Anota!
Risos e rumores.
— São centenas de estudos associados que fazem borbulhar a nossa curiosidade. Eu perco o sono pensando em tudo o que ainda não foi explorado do sono! E, sabem, uma das perguntas colaterais desse estudo é se a vida enquanto dormimos e a vida enquanto sonhamos são eventos separados ou são um contínuo. O que vocês acham?
— Eu acho maravilhoso.
A mulher ao meu lado respondia como se fosse a única ali.
— Porque, cerebralmente, e isso pode até ter consequências físicas em alguma medida, as ações que realizamos nos sonhos são quase equivalentes às ações que realizamos acordadas e acordados. Digo, em termos, olhando para o sistema funcional da atividade neuronal. Eu disse pra vocês que nos meus sonhos eu sou uma grande corredora, certo? Mas vocês não esperam me ver levantar dessa cadeira de rodas e sair correndo, não é mesmo?
A assistente volta e se coloca ao lado de Verônica, que se apoia nela e se levanta, com certa dificuldade.
— Eu nunca vou voltar a andar, fora dos sonhos, mas correr no sonho tem me ajudado a recuperar o meu tônus muscular.
A mulher ao meu lado se levantou e desencadeou uma onda de aplausos na plateia.
— Eu estou exausta! Parece que corri uma maratona aqui! E aí, vocês têm certeza de que não estão sonhando?

Aplausos. Muitos aplausos. As mãos da mulher ao meu lado parecem que vão estourar, no que ela vira pra mim e diz:
— Sonhos são fenômenos extraordinários mesmo.

Natalia Borges Poless (acervo pessoal)

Natalia Borges Polesso é pesquisadora, escritora e tradutora. Publicou Recortes para álbum de fotografia sem gente (2013), Amora (2015), vencedor do Prêmio Jabuti, Controle (2019), seu primeiro romance, vencedor dos prêmios Ages e Vivita Cartier e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, Corpos Secos (2020) e A extinção das abelhas (2021) . Em 2017, a autora foi selecionada para a lista Bogotá39, que reúne os 39 escritores abaixo de 40 anos, mais destacados da América Latina. Natalia tem seu trabalho traduzido em diversos países, tais como Argentina, Espanha e Estados Unidos.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

3º episódio: Episódio 3

4º episódio: Episódio 4

5º episódio: Episódio 5

Revisão: Agnes Sofia Guimarães

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

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