“ 6ª parte” | Há de se ter caminhos emergindo, por Raquel Almeida. Ep.6

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readOct 19, 2023

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Ilustração: Kaio Ka

Um arrebol eterno dentro dos meus sonhos

Das miudezas da terra a grandiosidade do céu, tudo se funde nesse lugar de beleza e paz, eu de dentro do colo do mundo, do colo da vida, do colo matriz, eu de dentro da minha real persona, nada ou tudo aqui existe junto ao que eu transmito em tintas. Eu tecendo alvoradas nos dias cinzas, espalhando cores, tentado dar cor ao meu universo, e tudo que mora em mim seguindo, sendo descartado, como se eu acreditasse nos olhares que desdenham, como se eu acreditasse nos olhares de hostilidade, eu fico acuada dentro de mim, mas aqui eu pude sair.

E essa habilidade de externos tem de nos fazer sentir eternamente culpadas com posicionamentos que tomamos, é cruel e desumana, é como se nossos corpos ainda estivessem expostos para serem analisados, como se estivéssemos em praças públicas à venda, e eu cansei de me sentir assim, um fiasco, tendo em vista o olhar que condena, o que esperam de uma mulher artista como eu? A excelência que eles mesmo criaram. Acredito que minha retomada deve ser dessas encruzas que se dá em conviver com a conveniência, aquela, que só me aceitam arte se eu comer nas mãos dos holofotes, entendo que preciso mediar essas convivências daqui de dentro. Um dia talvez eu possa abandonar minha carapaça e chorar ao ar livre, mas por enquanto, entendi que meu escudo sou eu.

Eu no colo, eu sendo colo, eu nesse colo cogitando o meu despertar, eu não quero sair daqui, eu me achei e gostei do que vi. Um universo inteiro mora aqui, um arrebol eterno dentro dos meus sonhos, e que lindo céu existe para quem se acha em si mesmo, não é? Tudo que pensei antes foi só tentando me organizar nesse último momento de paz, eu retomo meu lugar, caminho na minha imaginação pelas encruzilhadas que se formaram na tinta vermelha da minha parede, o cheiro não é mais ruim, aqui nesse nosso caminho o cheiro é de chuva, terra molhada e macaça que enfeitam a beira do rio formado por muitas lágrimas.

O peso não é mais de quem sou, e sim do que sou e do que me tornarei, às vezes a sombra não é ninguém, é eu mesmo vivendo a minha própria falta de nitidez.

Vai fazer mais o que Madá? Me apagar das suas memórias ou conviver comigo?

É o que dizem os olhos da minha adolescente debochada, eu respondi no meu interior, você mora em mim, eu vivo com você todos os dias, é mais que um casamento, é um pacto feito em outro tempo espaço, e eu respeito! Aqui mora todas elas. Todas são um cantinho meu, onde eu me refugio, nenhuma confusão é forte o suficiente pra me tirar daqui.

Caminho na encruzilhada da vida, aqui me dá retorno, aqui eu posso achar a volta para o meu deságue.

Eu olho para trás e vejo todas elas me observando, a anciã repete, pelo olhar, que minha cabeça me guia. Eu acredito.

Foto: Carol Freitas

Raquel Almeida é poeta, escritora, arte — educadora e produtora cultural. fundadora do Coletivo literário Elo da Corrente, grupo que atua no bairro de Pirituba, desde 2007, no movimento de literatura periférica/negra, realizando um sarau mensal e mantendo uma biblioteca comunitária no bar onde realiza o sarau. Iniciou seu trabalho artístico em 2005 cantando no grupo de rap Alerta ao Sistema e atuou na rádio comunitária urbanos FM 2006/2007. Ministra oficinas de literatura e criação poética em escolas, centros culturais entre outros espaços.

Episódio 1

Episódio 2

Episódio 3

Episódio 4

Episódio 5

Episódio 6

Revisão: Michel Yakini e Tatiane Ivo

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

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