“Identidade” | A caçadora estelar e o pássaro azul, por Fábio Kabral, Ep.4
― Diga-me, Pássaro. Com toda a sinceridade.
― Pois não, mestra?
― De onde eu vim? Quem eu sou?
― Talvez seja prudente responder assim que conseguirmos escapar desta precipitação escaldante e dessas formas de vida predatórias que nos perseguem.
Ele tinha razão. Estava caindo um chuvaréu daqueles, só que de água fervente. O que, de novo, não fazia nenhum sentido numa terra bonita como esta. Os animais daqui não se afetam com essa água capaz de derreter a pele? Se eu não tivesse meu equipamento de proteção, certamente eu viraria uma poça de ossos e carne borbulhantes…
Estamos dando saltos e mais saltos, para frente e para o alto, para escapar da chuva, tentando driblar esse terreno totalmente irregular. Quem inventou de ter tantos morros e colinas tão íngremes aqui? Com tantas plantas carnívoras? Levamos várias chicotadas de cipós vivos e mordidas de vegetais espinhentos…
Outra coisa que não faz sentido são esses animais que não param de nos seguir tentando nos matar, como se estivessem programados para isso. Os bichos simplesmente não se cansam, perseguem-nos até que eu salte para um lugar mais alto onde eles não consigam nos alcançar…
Sempre que eu saltava, o Pássaro Azul abria as suas asas para que eu pudesse voar por um curto período de tempo. Seria ótimo se pudéssemos voar por mais tempo, mas o bichinho acabava se cansando…
― Eu posso voar por mais tempo se forem instaladas em mim as atualizações adequadas ― disse ele, de novo lendo meus pensamentos; ― Mas o ideal é que alcancemos a nave, para que possamos realmente voar por longos períodos.
A nave. Estamos andando e saltando para lá e para cá por todo esse tempo e não parece que estamos perto de alcançá-la.
Pelo menos, alcançamos uma caverna onde podemos nos abrigar. Era uma escavação natural, bem bonita, repleta de musgos fluorescentes que iluminavam todo o local com brilhos verdes, amarelos e vermelhos, uma sinfonia bem bonita de cores. Aparentemente, não havia nenhum predador aqui, então eu podia, pela primeira vez desde que acordei, sentar-me para descansar…
― Pronto ― disse eu para o Pássaro Azul ― Pode me contar quem sou eu e de onde vim…
O tentáculo que sustentava o olho se virou bem na minha frente. Fiquei olhando para aquele órgão estranho me encarando… Ele então disse nos meus pensamentos:
― A senhora se chama Iremide Odé Wunmi, uma caçadora do povo odessi. Seu planeta natal se chama Terra Ketu-8, milhões de anos-luz de distância daqui. Tal como a maioria das filhas e filhos de Oxóssi, um dos traços mais marcantes da personalidade da senhora é uma arrogância fenomenal. A senhora se tornou uma das maiores caçadoras das galáxias, mas isso não a satisfazia. A senhora se considera tão acima dos demais que simplesmente passou a tomar para si o que não lhe pertence, tornando-se uma pirata espacial odiada e temível. A senhora se especializou em matar, tanto animais quanto pessoas, e chegava a gargalhar enquanto matava. Mais alguma pergunta?
― Não. Nenhuma. Nenhuma pergunta mesmo…
Fábio Kabral é escritor de ficção especulativa com foco em fantasia. No momento, passa seus dias estudando, pesquisando e escrevendo seu próximo livro: um épico de fantasia centralizado na mitologia afro-brasileira dos Orixás que será publicado pela Editora Intrínseca em 2021. Seus livros já publicados são: “Ritos de passagem” (Giostri, 2014), “O Caçador Cibernético da Rua 13” (Malê, 2017) e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso” (Malê, 2019). Considerado um dos pilares da literatura afrofuturista brasileira e criador do gênero literário Macumbapunk. Iniciado no candomblé como filho de Oxóssi e iniciante no Culto Tradicional Iorubá. No tempo livre, lê muitos gibis e joga videogame por horas e horas. Neste instante, está muito ocupado escrevendo o próximo livro.
