“Minerando” | A caçadora estelar e o pássaro azul, por Fábio Kabral, Ep.2
― O que estamos fazendo?
― Coletando material para realizar os reparos no equipamento, mestra.― Isso significa ficar aqui em pé atirando esse raio laser em pedras e plantas?
― “Paciência e foco”, a senhora dizia. Mesmo sendo um clichê motivacional. A senhora também enfatizava o quanto é uma atividade relaxante.
― Hum… ― não sabia conversar com alguém que parecia me conhecer melhor do que eu mesma. É o que acontece quando você acorda desmemoriada num planeta estranho com uma criatura tagarela atada às suas costas.
Tudo isso em plena tempestade a céu aberto, com direito a ventania e raios. Realmente, estou me sentindo bastante relaxada.
Quem é que teve essa brilhante ideia de acrescentar chuva de água escaldante num planeta tão bonito de grama azul? Pelo amor dos Orixás…
― O escudo de proteção contra o calor está abaixando, mestra.
Só estou aqui tranquilamente minerando porque há um escudo sobrenatural que emana do meu equipamento e que me protege de ambientes hostis como este. A água fervente simplesmente não me toca embora eu ainda sinta um pouco do seu calor. Mas esses bichos aqui ao meu redor perambulando por aí mesmo debaixo desse aguaceiro?
― São espécies nativas, mestra, estão mais do que acostumados com este ambiente. A senhora, nós é que somos os elementos estranhos aqui.
Você poderia me conceder a privacidade de pensamentos, hein?
― Perdoe-me, mestra, mas estamos ligados por um laço telepático, então ouço alguns de seus pensamentos. Além disso, estou programado para responder às vossas perguntas.
― E quem programou a senhora para ser um doutor palestrinha?
― A senhora, mestra.
― Que ótimo…
― A senhora disse que ajuda a matar o tédio.
Realmente. Quando acordei desmemoriada aqui, todo o equipamento estava danificado, defesas baixas e sem combustível. Então, começou a chover essa água fervente, então tive de correr para debaixo de alguma folha gigante para me proteger. Achei que fosse morrer. Após apanhar algumas folhas e pedaços de tronco, consegui abastecer minha ferramenta múltipla ― esta bela pistola arredondada com pele de escamas e uma boca dentada de onde sai um olho que cospe laser. Esse raio simplesmente transmuta pedras e plantas em partículas de seus elementos básicos, os quais são coletados pelo palestrinha, digo, o Pássaro Azul, meu companheiro nessa jornada.
― Que jornada é essa afinal? ― perguntei.
― A senhora é uma odé irauó, uma caçadora estelar.
― Ou seja, minha missão é explorar a galáxia para encontrar os melhores planetas onde o povo odessi possa estabelecer novas civilizações.
― Exatamente, mestra.
Como é que me lembrei disso?
Enfim…
Agora, com bastante material, após horas de mineração, estou bem tranquila. Certo?
― Sim, mestra ― concordou o Pássaro Azul ― e estaremos ainda mais tranquilos quando lidarmos com esse predador rosnando atrás de nós.
― Sangue de Oxóssi tem poder! ― exclamei, no susto, quando me virei e vi uma fera enorme, abrutalhada e furiosa, mostrando os dentes para nós neste exato momento. Realmente relaxante.
Fábio Kabral é escritor de ficção especulativa com foco em fantasia. No momento, passa seus dias estudando, pesquisando e escrevendo seu próximo livro: um épico de fantasia centralizado na mitologia afro-brasileira dos Orixás que será publicado pela Editora Intrínseca em 2021. Seus livros já publicados são: “Ritos de passagem” (Giostri, 2014), “O Caçador Cibernético da Rua 13” (Malê, 2017) e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso” (Malê, 2019). Considerado um dos pilares da literatura afrofuturista brasileira e criador do gênero literário Macumbapunk. Iniciado no candomblé como filho de Oxóssi e iniciante no Culto Tradicional Iorubá. No tempo livre, lê muitos gibis e joga videogame por horas e horas. Neste instante, está muito ocupado escrevendo o próximo livro.
Outros episódios:
1º episódio: Perdida
3º episódio: Caçando
4º episódio: Identidade
5º episódio: Nave
6º episódio: Apoteose
Revisão: Tatiane Ivo
