Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 2
36.
Os irmãos inda pequenos
Acordaram num instante
Com o choro por comida
Sem haver nada restante
Pro quintal ela saiu
Fingindo que não ouviu
Com incômodo frustrante.
37.
Separou a água limpa
Para poder se banhar
Um restim de sabonete
Inda deu para encontrar
E a roupa pelo chão
Entre o barro e o sabão
Se agachou para lavar.
38.
Foi olhando aquele sangue
E lavando a sua blusa
Era aquela sensação
Muito ruim e tão intrusa
Uma coisa só sabia
Pelo que sua mãe dizia
Era moça, mas confusa.
39.
Quando pegou na calcinha
Teve um grande desconforto
Para ela, aquele sangue
Era só coisa de morto
De ferido e de doente
Que escorria pela gente
Que tinha o destino torto.
40.
Mas parece que o sangue
Quer dizer virar mulher
Inda que não se sentisse
Uma mudança sequer
Era a mesma Enedina
Pra viver a sua sina
Como a vida dispuser.
41.
Nesses tantos pensamentos
Enedina se perdeu
E não escutou José
Quando ele apareceu
O irmão chegou mais perto
Dando uma de esperto
Num cantinho se escondeu.
42.
Enquanto ela se banhava
O irmão só percebia
A calcinha avermelhada
E seu corpo que exibia
Percebeu o acontecido
Se sentiu aborrecido
Por aquilo que entendia.
43.
“Quer dizer, sua moleca
Que você já tá sangrando?”
Foi falando feito o cão
Devagar se aproximando
Enedina num pinote
Viu ali falta de sorte
Feito a mãe anunciando.
44.
Nem sequer o jegue magro
Tava ali pra lhe salvar
Contra a força do irmão
Não sabia batalhar
Se bateu e até gritou
Mas de nada adiantou
Nem bastou para evitar.
45.
Enedina não sabia
Se o sangue era normal
“Era novo o machucado?
A dor era natural?”
Não foi muito que durou
Mesmo assim ela chorou
Se sentindo sem moral.
46.
O irmão saiu se rindo
Foi na direção da roça
E Enedina só queria
Escutar som de carroça
Se a mãe não demorasse
Talvez inda lhe encontrasse
Não fizesse vista grossa.
47.
Mas o medo foi crescendo
Foi tomando o coração
Na cabeça já montando
Uma dura conclusão:
Melhor era nem contar
Em segredo transformar
Toda essa aberração.
48.
Não seria uma surpresa
Se a mãe não confiasse
E sabendo do que houve
Nem sequer lhe apoiasse
José era o mais amado
Favorito e adorado
Disso que não duvidasse.
49.
Feito cachorro batido
Com seu corpo envergado
Enedina pôs a roupa
E seu rosto estilhaçado
Foi a mais crua moldura
Para a dura ruptura
No olhar tão assombrado.
O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.
1º episódio: Episódio 1
3º episódio: Episódio 3
4º episódio: Episódio 4
5º episódio: Episódio 5
6 episódio: Episódio 6
7º episódio: Episódio 7
Revisão: Tatiane Ivo