Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 7

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readAug 25, 2021

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Ilustração: Monique Malcher

116.

No breu dessa madrugada

Pelo álcool dominado

Seu João não enxergava

Tanto tinha se alterado

Só dizia que a queria

Que com ela casaria

Até de papel passado.

117.

“Quantos anos você tem

Faz favor de responder

Se bem que ainda é nova

Já que ia se inscrever

Na escola pra estudar

Pros estudos terminar

Inda tem é que crescer.”

118.

Em seguida emendava:

“Eu também não estudei

Então você tem idade

Pra tudo que planejei

Vamos fazer o casório

Na cidade tem cartório

Eu até já me informei”.

119.

Enedina não sabia

Se podia se casar

Mas nem morta ela queria

Com esse velho se juntar

Tinha nojo dele inteiro

Da sua cara e do seu cheiro

Preferia é se matar!

120.

Pois agora era tarde

E o velho lhe queria

Pra fugir daquele homem

Qualquer coisa ela faria

Foi no quente do terror

Que ela disse com horror:

“Até mesmo eu mataria”.

121.

Precisou de algum tempo

Para se recuperar

Do que tinha ali falado

Sem sequer muito pensar

Foi a forte afirmação

Que lhe deu convicção

Para o velho enfrentar.

122.

Mas João estava fraco

Já caído pelo chão

O chicote do seu lado

Todo solto de sua mão

Então lhe faltava pouco

Pra dar fim nesse sufoco

Que amargava o coração.

123.

Enedina vacilou

Mas do seu irmão lembrou

Da maldade que ele fez

E da dor que ele causou

Não podia admitir

Que isso fosse repetir

Esse velho que chegou.

124.

Vendo o velho desmaiado

O chicote então pegou

Amarrando no pescoço

Do João que lhe enganou

Deu um nó bem apertado

E o botou foi pendurado

Feito alguém que se enforcou.

125.

Arrumou ojegue manso

De carroça foi saindo

Na partida pra cidade

Escutou tudo caindo

O telhado foi cedendo

Com a taipa se torcendo

E o velho foi sumindo.

126.

“Sangue é coisa de mulher

E mulher é bicho triste”

Repetiu pela lembrança

Do que na verdade existe

“O vermelho que escorre

Não é coisa de quem morre

Mas de quem na vida insiste”.

Jarid Arraes | Crédito: divulgação

O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

3º episódio: Episódio 3

4º episódio: Episódio 4

5 episódio: Episódio 5

6º episódio: Episódio 6

Revisão: Tatiane Ivo

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

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