Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 6

FOLHETIM | Sesc Pompeia
2 min readAug 18, 2021

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Ilustração: Monique Malcher

107.

A partir daquele dia

Mal o sol amanheceu

Enedina só pensava

No que ao velho prometeu

Da limpeza tomar conta

E a comida deixar pronta

Como a mãe lhe descreveu.

108.

Mas o dia de domingo

Foi o dono da surpresa

Sem que nada lhe indicasse

Veio dor de uma agudeza

Que lhe fez choramingar

Fez gemer, quase gritar

Sem dar tempo pra defesa.

109.

Era a dor que anunciava

O que menos desejou

O seu sangue que descia

E a calcinha lhe manchou

Quase tinha se esquecido

Mas o corpo amolecido

Seu momento revelou.

110.

Já que o velho estava fora

Resolveu ir se banhar

Teve medo do escuro

E o impulso de voltar

Na carreira que ela deu

Até mesmo se esqueceu

Da calcinha ensaboar.

111.

Ficou lá toda jogada

A calcinha ensanguentada

Ocupada com a janta

Enedina ignorava

Que a sua intimidade

Com toda a serenidade

Pelo chão se encontrava.

112.

João Pereira então chegou

Apertado pra mijar

Só então ela lembrou

Da calcinha sem lavar

E o tamanho da agonia

Que a pobre ali sentia

Não se pode demonstrar.

113.

Quando o velho apareceu

Tinha o rosto transtornado

Como se uma alma penada

Lhe tivesse perturbado

Mas não disse coisa alguma

Só saiu pra tomar uma

Lá no bar mais afastado.

114.

Enedina fez comida

E jantou cedo da noite

Já dormia na carroça

Quando ouviu um som de açoite

Era o velho embriagado

Com fedor contaminado

Sendo mais de meia-noite.

115.

João Pereira só gritava

E o chicote sacudia

Enedina se escondeu

E o velho lhe dizia:

“Tenha medo não, minha flor

Eu não vou lhe causar dor”

Mais ainda ele sorria.

Jarid Arraes | Crédito: divulgação

O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

3º episódio: Episódio 3

4º episódio: Episódio 4

5 episódio: Episódio 5

7º episódio: Episódio 7

Revisão: Tatiane Ivo

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