Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 3

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readJul 28, 2021

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Ilustração: Monique Malcher

50.

Quando sua mãe chegou

Enedina já dormia

Foi chamada pra comer

Mas também não reagia

E a mãe deixou pra lá

Sem forçar para acordar

Se era isso que queria.

51.

Outro dia logo veio

Com comida na panela

Doações de alguma gente

Com bondade tão singela

E o bico que o pai fez

Um pouquinho satisfez

Pra farinha na tigela.

52.

João Pereira então chegou

Visitou pra prosear

Conversaram do trabalho

Que é difícil de arranjar

E por isso a solução

Que era assim sua intenção

Era do sertão mudar.

53.

Iria encontrar um canto

Mais pra perto da cidade

Porque viajar de longe

Botava a dificuldade

Ninguém ia contratar

Sem poder se confiar

Essa era a tal verdade.

54.

“Ah cumpade! Pois então

Leve o meu filho José

Ele tem dezoito ano

Já tá bom de dar no pé

Precisando trabalhar

E quem sabe inté casar

Pra ter filho e ter mulher.”

55.

Enenida do seu canto

Fez de conta que dormia

Mas bem quieta disfarçando

A conversa toda ouvia

E achou que seu irmão

Gostaria da opção

E ela enfim livre estaria.

56.

Mas não quis sair da cama

Se encolhia era de dor

Só falou alguma coisa

Quando a mãe lhe perguntou

“Já tem pano pra botar

Pra calcinha não melar?”

E Enedina então negou.

57.

A mãe veio com paninhos

Encardidos e rasgados

Ensinou que na calcinha

Tinham que ser colocados

Todo mês seria assim

“É desse jeito ruim”

Foi o pouco comentado.

58.

Foram dias não tão duros

No sentido da comida

Apesar de tudo pouco

E da força consumida

Tinha leite, tinha pão

E uma sopa de feijão

Entre eles repartida.

59.

Quando foi o quinto dia

Que o sangue lhe desceu

Enedina passou mal

E na cama se encolheu

Ficou lá bem sonolenta

Numa febre violenta

Que sem dó lhe acometeu.

60.

A mãe muito preocupada

Com a seca do sertão

Foi na roça averiguar

Como estava a plantação

Os filhinhos foi levando

E Enedina descansando

Sem cuidado ou atenção.

61.

Foi naquele mesmo instante

Que José já retornava

Vendo a casa bem vazia

Algo porco imaginava

Foi olhar para Enedina

Se chegando na surdina

Pronto pro que planejava.

62.

Chegou perto da irmã

Que dormia bem pesado

E sentou na sua cama

Se mantendo assim calado

O lençol logo puxou

Suas pernas separou

E o vestido levantado.

63.

Quando a mãe voltou da roça

Viu José de mão mexendo

Até mesmo que bulindo

Na menina se tremendo

Pelo jeito que dormia

Pela febre que sentia

Nada estava percebendo.

64.

Fez barulho nas panelas

Pra chamar sua atenção

E José saiu de perto

Disfarçando sua ação

Dona Leda então chorou

Mas calada ela ficou

Procurando a solução.

Jarid Arraes | Crédito: divulgação

O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.

1º episódio: Episódio 1

2º episódio: Episódio 2

4º episódio: Episódio 4

5º episódio: Episódio 5

6 episódio: Episódio 6

7º episódio: Episódio 7

Revisão: Tatiane Ivo

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FOLHETIM | Sesc Pompeia

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