Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 3
50.
Quando sua mãe chegou
Enedina já dormia
Foi chamada pra comer
Mas também não reagia
E a mãe deixou pra lá
Sem forçar para acordar
Se era isso que queria.
51.
Outro dia logo veio
Com comida na panela
Doações de alguma gente
Com bondade tão singela
E o bico que o pai fez
Um pouquinho satisfez
Pra farinha na tigela.
52.
João Pereira então chegou
Visitou pra prosear
Conversaram do trabalho
Que é difícil de arranjar
E por isso a solução
Que era assim sua intenção
Era do sertão mudar.
53.
Iria encontrar um canto
Mais pra perto da cidade
Porque viajar de longe
Botava a dificuldade
Ninguém ia contratar
Sem poder se confiar
Essa era a tal verdade.
54.
“Ah cumpade! Pois então
Leve o meu filho José
Ele tem dezoito ano
Já tá bom de dar no pé
Precisando trabalhar
E quem sabe inté casar
Pra ter filho e ter mulher.”
55.
Enenida do seu canto
Fez de conta que dormia
Mas bem quieta disfarçando
A conversa toda ouvia
E achou que seu irmão
Gostaria da opção
E ela enfim livre estaria.
56.
Mas não quis sair da cama
Se encolhia era de dor
Só falou alguma coisa
Quando a mãe lhe perguntou
“Já tem pano pra botar
Pra calcinha não melar?”
E Enedina então negou.
57.
A mãe veio com paninhos
Encardidos e rasgados
Ensinou que na calcinha
Tinham que ser colocados
Todo mês seria assim
“É desse jeito ruim”
Foi o pouco comentado.
58.
Foram dias não tão duros
No sentido da comida
Apesar de tudo pouco
E da força consumida
Tinha leite, tinha pão
E uma sopa de feijão
Entre eles repartida.
59.
Quando foi o quinto dia
Que o sangue lhe desceu
Enedina passou mal
E na cama se encolheu
Ficou lá bem sonolenta
Numa febre violenta
Que sem dó lhe acometeu.
60.
A mãe muito preocupada
Com a seca do sertão
Foi na roça averiguar
Como estava a plantação
Os filhinhos foi levando
E Enedina descansando
Sem cuidado ou atenção.
61.
Foi naquele mesmo instante
Que José já retornava
Vendo a casa bem vazia
Algo porco imaginava
Foi olhar para Enedina
Se chegando na surdina
Pronto pro que planejava.
62.
Chegou perto da irmã
Que dormia bem pesado
E sentou na sua cama
Se mantendo assim calado
O lençol logo puxou
Suas pernas separou
E o vestido levantado.
63.
Quando a mãe voltou da roça
Viu José de mão mexendo
Até mesmo que bulindo
Na menina se tremendo
Pelo jeito que dormia
Pela febre que sentia
Nada estava percebendo.
64.
Fez barulho nas panelas
Pra chamar sua atenção
E José saiu de perto
Disfarçando sua ação
Dona Leda então chorou
Mas calada ela ficou
Procurando a solução.
O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.
1º episódio: Episódio 1
2º episódio: Episódio 2
4º episódio: Episódio 4
5º episódio: Episódio 5
6 episódio: Episódio 6
7º episódio: Episódio 7
Revisão: Tatiane Ivo