Sangue é coisa de mulher, por Jarid Arraes, Ep. 2

FOLHETIM | Sesc Pompeia
3 min readJul 21, 2021

--

Ilustração: Monique Malcher

36.

Os irmãos inda pequenos

Acordaram num instante

Com o choro por comida

Sem haver nada restante

Pro quintal ela saiu

Fingindo que não ouviu

Com incômodo frustrante.

37.

Separou a água limpa

Para poder se banhar

Um restim de sabonete

Inda deu para encontrar

E a roupa pelo chão

Entre o barro e o sabão

Se agachou para lavar.

38.

Foi olhando aquele sangue

E lavando a sua blusa

Era aquela sensação

Muito ruim e tão intrusa

Uma coisa só sabia

Pelo que sua mãe dizia

Era moça, mas confusa.

39.

Quando pegou na calcinha

Teve um grande desconforto

Para ela, aquele sangue

Era só coisa de morto

De ferido e de doente

Que escorria pela gente

Que tinha o destino torto.

40.

Mas parece que o sangue

Quer dizer virar mulher

Inda que não se sentisse

Uma mudança sequer

Era a mesma Enedina

Pra viver a sua sina

Como a vida dispuser.

41.

Nesses tantos pensamentos

Enedina se perdeu

E não escutou José

Quando ele apareceu

O irmão chegou mais perto

Dando uma de esperto

Num cantinho se escondeu.

42.

Enquanto ela se banhava

O irmão só percebia

A calcinha avermelhada

E seu corpo que exibia

Percebeu o acontecido

Se sentiu aborrecido

Por aquilo que entendia.

43.

“Quer dizer, sua moleca

Que você já tá sangrando?”

Foi falando feito o cão

Devagar se aproximando

Enedina num pinote

Viu ali falta de sorte

Feito a mãe anunciando.

44.

Nem sequer o jegue magro

Tava ali pra lhe salvar

Contra a força do irmão

Não sabia batalhar

Se bateu e até gritou

Mas de nada adiantou

Nem bastou para evitar.

45.

Enedina não sabia

Se o sangue era normal

“Era novo o machucado?

A dor era natural?”

Não foi muito que durou

Mesmo assim ela chorou

Se sentindo sem moral.

46.

O irmão saiu se rindo

Foi na direção da roça

E Enedina só queria

Escutar som de carroça

Se a mãe não demorasse

Talvez inda lhe encontrasse

Não fizesse vista grossa.

47.

Mas o medo foi crescendo

Foi tomando o coração

Na cabeça já montando

Uma dura conclusão:

Melhor era nem contar

Em segredo transformar

Toda essa aberração.

48.

Não seria uma surpresa

Se a mãe não confiasse

E sabendo do que houve

Nem sequer lhe apoiasse

José era o mais amado

Favorito e adorado

Disso que não duvidasse.

49.

Feito cachorro batido

Com seu corpo envergado

Enedina pôs a roupa

E seu rosto estilhaçado

Foi a mais crua moldura

Para a dura ruptura

No olhar tão assombrado.

Jarid Arraes | Crédito : divulgação

O folhetim Sangue é coisa de mulher foi escrito por Jarid Arraes. Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente“, vencedor do APCA de Literatura na Categoria Contos, do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.

1º episódio: Episódio 1

3º episódio: Episódio 3

4º episódio: Episódio 4

5º episódio: Episódio 5

6 episódio: Episódio 6

7º episódio: Episódio 7

Revisão: Tatiane Ivo

--

--

FOLHETIM | Sesc Pompeia

Experimento literário do Sesc Pompeia convida escritores a criarem narrativas inéditas